Caríssimos amigos, irmãs e meus familiares
De volta ao ritmo de Timor Leste, já recuperada dessas diferenças
climáticas e fuso horário e a cultivar a permanente motivação para continuar o
percurso da missão, conjuntamente com a ir. Olívia e a ir. Lurdes, as aliadas e
companheiras desta grande aventura que está longe de chegar à meta consumada.
Apesar de alguma inação por falta de estruturas físicas e meios para iniciarmos
um trabalho mais alicerçado num objetivo sonhado, já temos muitos passos dados.
A minha chegada a Maliana teve como primeira visita às Clarissas
portuguesas de Monte Real que tinham chegado aqui no dia 13 de Setembro, uma
visita coroada com um especial jantar na sua nova casa, transformado num
mini-mosteiro. O jantar foi antecipado com a missa presidida pelo padre
Hipólito, um jovem timorense que tem sempre uma atitude serena e contemplativa
em tudo aquilo que partilha com as portuguesas. Em cada instante destes
pequenos acontecimentos, sentimos que a unidade entre as pessoas é sempre uma grande
vantagem, uma vantagem que nos faz ver que não estamos sós, neste mar de
limitações e obstáculos que não cessam de nos bater à porta nas mais variadas
maneiras.
E tudo se vai ajustando, até o desencaixotar dos muitos caixotes que eu
própria tinha enviado de Portugal, porque afinal por 2,98 euros por cada 2kg de
coisas, valeria a pena enviá-las para que, pelo menos o básico não nos falte, o
que me preocupa um pouco é que alguns que enviei em Agosto ainda não
chegaram, mas irão chegar, tenho a certeza.
Fui revendo os lugares que rodeiam a residência a começar pelos vizinhos que
se tornaram os nossos protetores e vigilantes quase noite e dia. A Amália, a bébé
das fotos era uma recém-nascida em Junho, por pouco que nascia a caminho do
hospital no jipe, quando pelas 10 da noite transportámos a mãe. Seria o
meu primeiro parto (pois também sou enfermeira), embora não tenha qualquer
experiência desta assistência emergente naquela noite estava determinada a agir
e relembrar essas noções que apreendi enquanto estudante de Enfermagem.
Depois da visita a esta família, fomos percorrer a pé todo o
território, agora transformado junto à ribeira fronteiriça.
A desilusão maior foi verificar o empasse da máquina do furo que se
encontra no terreno da nossa futura residência desde agosto e agora quase a
meados de Outubro continua sem grande evolução, porque, segundo os
técnicos, a broca fura e não sai porque encontra obstáculos nos 37 metros já
furados. A máquina, cada dia sim, dia não, bloqueia e tem de ser arranjada e
fica parada mais 24 horas. Enfim uma tensão que nos deixa quase desesperadas
porque o tempo passa e de 2 em 2 dias acaba-se a água na rudimentar canalização
da atual casa, onde habitamos. E sem água, sem eletricidade durante
muitas horas do dia como hoje, e em tantos empasses de espera, resta-nos
esperar por aquele dia que irá acontecer e que vão cessar esses obstáculos
básicos para que a coragem não falte.
Mas nem tudo é assim tão desolador. Temos o nosso Salão novo pronto a
funcionar. Já iniciámos uma serie de atividades interessantes com o grupo de
adolescentes a que demos o nome de “Grupo dos Pastorinhos de Fátima”. Todos os
dias pelas 17,30 cerca de uma centena de crianças depois de terminar a
escola vêm rezar o terço neste novo salão e bem se vê o entusiasmo deles por
estarem num espaço físico novo sentados em cadeiras, que é outra oportunidade
significativa, e ali rezam com o seu terço de plástico, objeto sagrado e amado
por eles e que fazem questão de o trazer ao pescoço como se fosse um objeto da
mais cara ourivesaria; sempre me impressionou isso.
A semana passada a ir. Olívia decidiu propor ao grupo dos Pastorinhos uma atividade
de jardinagem, de casa cada um trouxe a sua flor e aqui as plantaram no espaço
em redor do Salão, pelas fotos podem ter uma ideia de como foi interessante a
reação deles.
Pensámos então em fazer o plano de atividades para o grupo e na
segunda-feira, ontem, a proposta foi fazer cada um, um desenho a exprimir o que
gostam no grupo de Pastorinhos e assim desenvolver a sua imaginação. O curioso
desta atividade que me surpreendeu imenso foi de fato a dificuldade que a
maioria teve para esta aparente simples realização, depois de muito insistir
cada um, a seu jeito e a medo, lá fez a obra-prima que agora está exposta no
salão; alguns são realmente expressivos e até ternos.
Não obstante estas pequenas centelhas da vida da missão, gostaria
também de partilhar um pequeno episódio que me comoveu muito. Um dos nossos
vizinhos anda a fazer a sua nova casa, aqui o espirito comunitário é um valor
comum e bem definido entre a população, o problema mesmo é para além da falta
de dinheiro e outras coisas básicas, não terem meios de transporte para acartar
o material comprado para a construção. Vieram-nos pedir para fazer esse
frete em Maliana e lá fui eu, carregar o cimento, os ferros e outras coisas que
de outra maneira não poderiam ser transportadas, para mim foi algo normal, sem
grandes custos, sem qualquer dificuldade, mas quando cheguei ao lugar da
construção o senhor, com tanta comoção, beijou-me as mãos a chorar agradecendo
o favor, fiquei estupefata com tal atitude, já lá vão alguns dias e não me sai
da cabeça tal gesto, embora já tenha ido de novo depois dessa vez buscar mais
coisas para a dita construção pensei: “ao menos com este gesto de poder ter um
carro posso ser útil a alguém e fazer a diferença em pequenos nadas para mim e
que são tudo para os outros”.
O nosso dia termina sempre com um deslumbrante Pôr-do-sol que podemos ver
descer em poucos minutos entre montanhas no horizonte que será nosso 24 sobre
24horas quando a nossa residência for habitada por nós.
E para os mais assustados/as e os mais corajosos/as apresento-vos finalmente
um dos residentes noturnos das paredes exteriores, a nossa pequena casa o
Toky, de uma textura belíssima, este reptil sereno e original todas as noites
afirma-se presente dizendo: “Tou aqui”, a medo lá o fotografei com o seu
consentimento, desejo que o admirem.
E termino, um abraço e continuo a contar com o vosso apoio.
Tudo de bom para todos e todas vós.
Ir Cristina