segunda-feira, 24 de setembro de 2012

O CUIDADO NO ENQUADRAMENTO ÉTICO


I.                   Considerações iniciais


Como primeira nota introdutória há que dizer que quando abordamos o cuidado referimo-nos ao outro como outro, ao outro como um tu e não meramente ao outro como um prolongamento de mim mesmo ou como o meu cesto do lixo.
Num primeiro grupo, podemos apontar duas atitudes: a primeira realça um estado de escravidão (exploração) do outro. A segunda atitude sublinha a lei da selva, ou seja, ignora o outro. Cada um que se desenrasque. Qualquer uma destas posições apontadas são não éticas.
Já, num segundo grupo, podemos apontar a ética dos mínimos ou ética da justiça: dar a cada um o que lhe pertence (Adela Cortina, John Rawls). Muitas vezes, estamos convencidos de que fazemos um favor ao dar ao outro o que lhe pertence.
Numa segunda ética, apontamos a ética da gratuitidade que ultrapassa o bem-estar, o comodismo, o confronto, o conforto, o prazer e situa-se mais numa linha do bem como felicidade, como paz, bondade, horizonte e sentido.
Às vezes, os adolescentes estão mais numa linha de receber e os adultos numa linha do dar.
Em terceiro lugar, podemos apontar a ética do voluntariado como uma simbiose, uma síntese entre a ética da justiça (bem-estar, ordem) e a ética da gratuitidade (dar serviços).
Passamos de uma ética dos bens, dos deveres para éticas teleológicas ou da felicidade. A ética procura uma morada acolhedora para toda a humanidade.
No entanto, Edgar Morin assinala que hoje há uma exagerada autolatria, cuja orientação é individualista e relativista. Já Paul Ricoeur expõe o dinamismo de uma subjectividade aberta à alteridade e à responsabilidade.Estamos hoje a palmilhar a subjectividade e a alteridade.



II.                A palavra cuidado


A palavra cuidado vem do latim cura. Na forma mais antiga do latim, a palavra cura escreve-se coera. Esta palavra é usada num contexto de relações de amor e de amizade, para exprimir uma atitude de cuidado, de preocupação, de inquietação pela pessoa amada ou por um objecto de estimação. Outros estudos filológicos indicam que a palavra cuidado deriva de cogitare – cogitatus que significa pensar, colocar atenção, mostrar interesse, revelar uma atitude de preocupação.
Como se depreende, a palavra cuidado inclui dois significados muito próximos: o primeiro, uma atitude de desvelo, solicitude, atenção para com o outro; já o segundo significado incide mais numa inquietação, numa preocupação do envolvimento afectivo com o outro por parte da pessoa que cuida.
A palavra cuidado é um modo de ser, a forma como a pessoa se estrutura e se realiza no mundo com os outros.
Esta noção de cuidado como preocupação e solicitude de que o cuidado é essencial para o ser humano ganha expressão literária na Roma do final da era pré-cristã.
A fábula mito encontrada numa colectânea mitológica do segundo século da era cristã tem influenciado a ideia de cuidado na literatura, na filosofia, na psicologia, na ética através dos séculos.
Kierkegaard, embora de uma forma incipiente, é o primeiro filósofo a usar a noção de cuidado ou preocupação. Introduz as noções de preocupação, interesse e cuidado para contrapor o que considera a excessiva objectividade da filosofia e teologia formuladas no começo do século XIX.
Este filósofo recorre à reflexão desinteressada e à consciência. Aquela é um simples processo de classificar coisas. Já a consciência está preocupada com quem conhece e com os conflitos que podem advir a partir do que é conhecido na reflexão.
Este filósofo também recorre à noção de preocupação para exprimir a natureza do ser humano e as suas escolhas morais. A ética começa com o indivíduo que, sendo obrigado a agir, toma sobre si o interesse e a preocupação. Sem a preocupação ou o cuidado, a acção não é possível.
Em Heidegger, um dos originais filósofos do século XX, o cuidado não é apenas mais um conceito, mas o eixo central. É considerado o filósofo do cuidado por excelência. O desenvolvimento da sua noção de cuidado deriva do tradicional mito de origem greco-latina do cuidado.
Os ensinamentos de Kierkegaard acerca da preocupação e do cuidado tem grande influência em Heidegger, mas com uma diferença.
Enquanto Kierkegaard vê o cuidado de uma maneira individualizada, subjectiva e psicológica, Heidegger assume de uma forma abstracta e ontológica para descrever a estrutura básica do ser humano.
O cuidado tem para Heidegger dois significados: angústia e sentido.
O “cuidado angústia” (sorge) retrata a luta de cada um pela sobrevivência e por galgar uma posição favorável entre os demais seres humanos.
O “cuidado solicitude” (fürgsorge) significa voltar-se para, interessar-se pela terra, pela humanidade.
Portanto, o cuidado como angústia impulsiona a luta pela sobrevivência e já a solicitude permite revelar as plenas potencialidades de cada ser humano.
Influenciado por Heidegger, Rollo May no seu livro Love and Will escrito em 1969, argumenta que os seres humanos experimentam um mal-estar geral e uma despersonalização que resultam em cinismo e apatia.
O cuidado, entendido como um estado no qual algo tem importância, é o antídoto para a apatia; é alguém com a dor ou a felicidade do outro.
O cuidado deve ser a raiz da ética. Já que a boa vida vem do que merece cuidado.
Erikson influenciado também por Heidegger elabora uma justificação psicológica para o cuidado. Propõe uma teoria humanista do desenvolvimento psicológico onde o cuidado é tema central.
Na sétima fase de Erikson, a maioridade, a crise leva ao confronto entre a capacidade gerativa e a estagnação. A virtude que emerge desta crise é o cuidado. O cuidado adulto abarca a tarefa gerativa de cultivar a próxima geração, de preocupar-se com o que é gerado por amor.
Para este autor, a ética do cuidado envolve a batalha entre a disponibilidade e a indisponibilidade para incluir as pessoas ou os grupos na capacidade gerativa. No primeiro caso, manifesta-se uma força de simpatia que é a virtude do cuidado e no segundo, uma inclinação de antipatia, uma tendência à rejeição.
Em 1971, o filósofo norteamericano Milton Mayeroff, propõe no seu livro, On caring, uma apresentação das experiências do cuidar e ser cuidado. Para ele, cuidar do outro é ajudá-lo a crescer numa relação mútua, não importando se o outro é uma pessoa, uma ideia, um ideal, uma obra de arte ou comunidade. Cuidar é basicamente um processo e não uma série de serviços orientados à consecução de determinados objectivos. O cuidado favorece a devoção, a confiança, a paciência, a humildade, a honestidade, o conhecimento do outro, a esperança e a coragem. Desta maneira, os valores morais são vistos como um processo de cuidar e crescer.
Há outros paradigmas éticos que contribuem para o desenvolvimento da ética do cuidado. A ética da simpatia, desenvolvida pelos filósofos do século XVII e começo do século XVIII como Butler, David Hume, Adam Smith, Schopenhauer e Max Scheler, representa um deles. A palavra grega sympatheia (simpatia) quer dizer “sentir com”, refere-se a um sentimento de preocupação pelo bem-estar do outro. Alguns autores incluem a simpatia, a empatia e a compaixão como elementos do cuidado.
Cuidar de alguém é prestar-lhe atenção solícita e ter uma disposição de afectividade. Simone Weil, filósofa francesa que viveu de 1909 a 1943 afirmava que a atenção é um esforço que consiste em suspender o próprio pensamento, deixando-o vazio e pronto para receber outro em toda a sua verdade.


III.             Carol Gilligan

Como já referimos, a noção de cuidado remonta a épocas anteriores, com obras literárias da Antiga Roma e fontes mitológicas e filosóficas que conformam as suas raízes.
A literatura da ética do cuidado presta pouca atenção antes da década de 80.
Carol Gilligan contrasta a orientação moral primária de meninos e homens com meninas e mulheres, referindo que há tendências diferentes de empregar estratégias. Distingue a ética da justiça (homens) da ética do cuidado (mulheres).
A ética do cuidado para Gilligan é constituída pelos seguintes elementos: consciência da conexão entre as pessoas; entendimento da moralidade como consequência do relacionamento; a comunicação é o modo de solucionar os conflitos.
Após a publicação do livro “Uma voz diferente: psicologia da diferença entre homens e mulheres da infância à idade adulta” de Carol Gilligan em 1982, onde aborda a perspectiva do cuidado no desenvolvimento moral das mulheres, emerge uma ética do cuidado. Esta questiona as concepções éticas vigentes para valorizar as acções, motivações e as relações positivas.
Enquanto os princípios e direitos individuais se referem mais à ética da justiça, outros elementos enquadram mais na ética do cuidado.

Ética do cuidado
Ética da justiça
Abordagem contextual
Abordagem abstracta
Conexão humana
Separação humana
Relacionamentos comunitários
Direitos individuais
Âmbito privado
Âmbito público
Reforça o papel das emoções e sentimentos
Reforça o papel da razão
É relativa ao género feminino
É relativa ao género masculino


Portanto, segundo Carol Gilligan, há autores que não deram voz Às mulheres como, por exemplo Erikson. Kohlberg. Há outros que lhes deram voz como Horner, Chodorrow, Lever, Gassen, entre outros.
Analisar uma ética do cuidado é pensar essa voz diferente que se inicia na separação/conexão. A necessidade de separação é apresentada para o homem como a condição necessária ao estabelecimento da sua masculinidade.  A identidade feminina só se estabelece na conexão definitiva com a figura materna.
Enquanto os homens não estabelecem conexões que os prendem nas suas atitudes, preocupação feminina direcciona-se ao cuidado e à preservação dos relacionamentos.
“A masculinidade define-se através da separação, enquanto a feminilidade define-se através do apego; a identidade do género masculino é ameaçada pela intimidade; ao passo que a identidade do género feminino é ameaçada pela separação” (Gilligan, 1982…).
Para Gilligan, a voz diferente que as mulheres possuem é a voz do cuidado, em contraposição à voz dos homens como voz da justiça.
Embora grande parte do livro de Gilligan se dirija só às mulheres, o último capítulo “Versões da maturidade”, lembra aos leitores que a “voz do cuidado” também está nos homens. O que temos é uma preponderância nas mulheres. Por isso, podemos ouvir nos homens, além da arrogância, da lógica, palavras da voz feminina como: conciliador, compreensivo, interessado, ardente. Justiça mais para os homens e cuidado mais para as mulheres. No entanto, temos que reconhecer que homens e mulheres têm orientação de justiça e orientação de cuidado.
Quer Piaget quer Kohlberg sintetizam a ética kantiana (justiça), preocupação da razão e o conhecimento em descobrir a lógica (justiça).
Na ética do cuidado, há o exercício de virtudes como o amor, a tolerância, a compaixão, a fidelidade, a temperança e a generosidade.
Gilligan considera importante a ética do cuidado e da generosidade. Cuidar do outro é dar-lhe mais do que lhe é de direito, mas não ser paternalista.



IV.             Ética do cuidado na abordagem de Nel Noddings


Esta autora no seu livro: Caring: a femminine approach to ethics and moral education, editado em 1984, defende que os seres humanos querem cuidar e ser cuidados. Portanto, há um cuidado natural acessível a toda a humanidade.
A capacidade de agir eticamente é entendida pela autora como uma virtude activa que requer dois sentimentos: o primeiro é o sentimento natural de cuidado e o segundo ocorre em resposta à lembrança do primeiro.
Cuidar requer que a pessoa responda ao impulso inicial com um acto de compromisso.


Moçambique, 24 de Setembro de 2012

Adérito Gomes Barbosa

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

 

HOMILIA NO BATIZADO DO SOBRINHO NETO
JOÃO HENRIQUE



 
A Mara Isabel, médica de profissão, quase especialista em gastroenterologia, é filha da nossa irmã Maria Angelina, casada com o Augusto da Cunha Barbosa. O seu marido é o médico Pedro Henrique e o menino a ser batizado foi o João Henrique.
Embora sendo o meu irmão o oficiante do batismo do nosso sobrinho neto, pediu-me para fazer a homilia (suponho que seria para eu fazer qualquer coisa na cerimónia), na véspera à noite. Lá rabisquei o que a seguir transcrevo:
1.Estamos aqui hoje, neste momento, a celebrar, porque somos cristãos, porque somos cristãos com fé, como é intitulado o meu último livro, presente nas livrarias.
Dizia o grande pensador espanhol Ortega Y Gasset que há sempre o latente e o patente. Por detrás de uma pintura, de uma escultura, há sempre a beleza, a bondade ou o sofrimento. O iceberg esconde mais gelo do que aquele que mostra.
O cristão apresenta expressões visíveis da fé (patente), mas o alicerce, a raiz, a convicção que constituem o latente são muito mais profundas. É a dialética da Carta de S. Tiago: fé com obras e fé sem obras.
2. O segundo pensamento refere-se à vida. O evangelho de Lucas fala da alegria sentida pelos pais de João Batista: Zacarias e Isabel. Podíamos acrescentar aqui a alegria sentida pelos pais do João Henrique. E aqui há um paralelismo entre a família de João Henrique e a família de João Batista. O filho é João numa família e noutra. A mãe de João Batista é Isabel. A mãe do João Henrique é Mara Isabel. O pai do João Henrique não é Zacarias, mas é Pedro Henrique, tendo em comum com o filho, Henrique.
No Antigo Testamento, o nome é dado à nascença. Aqui em João Batista, o nome é dado por Deus através do anjo. Em hebraico, João é Iohanan que significa “dom de Deus”, “cheio da graça de Deus”, “agraciado por Deus”, “a graça é misericórdia de Deus”, “Deus perdoa”.
Como sabemos, na Bíblia temos duas grandes personalidades com o nome de João. João Batista que batizou Jesus Cristo em água no Rio Jordão. Temos também o apóstolo João que foi um dos Doze Apóstolos. Foi o apóstolo que viveu mais tempo. A tradição refere que viveu quase 100 anos e foi um dos poucos que não foi martirizado.
João é um nome que se usa muito em várias línguas (temos vários na nossa família) e o seu correspondente feminino também é comum como a Joana (também na nossa família).
3. Vamos celebrar o batismo do João Henrique. Este ano o papa Bento XVI lançou o chamado ano da fé, intitulando o seu documento: Porta da Fé. E a porta da fé é o batismo. S. Pedro define os batizados como pedras vivas, como pedra angular para a construção de um edifício espiritual.
É o que esperamos do João Henrique ao aderir oficialmente à Igreja Católica: ser vivo nas traquinices, mas ainda mais vivo na fé, na catequese, na vida.
E termino com um pensamento grego: por mais que saltemos para o ar, nunca podemos alcançar o céu. Necessitamos de uma mão que nos seja estendida do alto e nos alcance.
Que os pais, familiares e amigos ajudem o João Henrique a dar a sua mão à mão de Deus que vem do alto.
Adérito Gomes Barbosa scj
Crestuma, 16 de Setembro de 2012 (13horas).


sexta-feira, 7 de setembro de 2012


 
 
 
 
 
Prefácio

Ao celebrar 50 anos do início do Concílio Ecuménico Vaticano II, o Santo Padre Bento XVI convida-nos a viver um Ano da Fé. Sabemos que, para quem acredita, todos os dias, meses e anos são tempo para viver, celebrar, testemunhar e anunciar a fé que professamos. Compreendemos, porém, que o tempo que vivemos nem sempre se tem manifestado tempo fácil para darmos forma visível ao nosso testemunho de fé.
Importa, por isso, abrirmos o coração e a inteligência ao apelo do Santo Padre expresso na Carta apostólica «Porta da Fé» e tudo fazermos a nível pessoal, familiar e comunitário para vivermos intensamente este Ano da Fé, de 11 de outubro de 2012, dia aniversário do início do Concílio, a 24 de novembro de 2013, domingo de Jesus Cristo, Rei e Senhor do Universo.
Quando se comemoram cinquenta anos do início do Concílio Vaticano II recordo e revivo a alegria e o entusiasmo com que, nesse tempo, acolhemos nesse tempo e vivemos momento a momento esse grande acontecimento eclesial, nascido do coração e do sonho profético de João XXIII. Faz-nos bem regressar ao Concílio, reler os seus textos, reviver os seus dinamismos renovadores e concretizar com desassombro as suas intuições pastorais. Urge, por isso com renovado vigor, continuar o Concílio presente e atuante na Igreja para que esta seja segundo a vontade de Jesus, seu Fundador, e sob a inspiração do Espírito Santo, verdadeiro sacramento de salvação da humanidade e necessária luz dos povos.
Deste encanto sentido nos tempos conciliares guardo o fascínio aí encontrado pela Igreja de Jesus Cristo que via abrir as suas portas a um mundo imenso de gentes em procura e lhes manifestava vontade de partilhar as suas alegrias e esperanças, as suas ansiedades e inquietações. São a estas portas da fé que continuam a bater multidões de crentes e não crentes que têm direito a encontrar na Igreja a palavra e os sacramentos de uma vida em comunhão com Deus.
Lembra-nos o Santo Padre Bento XVI, na Carta apostólica sobre o Ano da Fé, que “a «Porta da Fé» (cf At 14, 27), que introduz na vida de comunhão com Deus e permite a entrada na sua Igreja, está sempre aberta para nós. Atravessar aquela porta implica embrenhar-se num caminho que dura a vida inteira. Este caminho tem início no baptismo” ( Porta Fidei, n.º 1).
Importa, assim, diz-nos o Santo Padre «redescobrir o caminho da fé para fazer brilhar, com evidência sempre maior, a alegria e o renovado entusiasmo do encontro com Cristo” (Porta Fidei, n.º 2).
É este caminho que o Padre Adérito Gomes Barbosa tem procurado na sua vida, na sua vocação e na sua missão e nos ajuda agora, também, a percorrer. A sua aprofundada reflexão, transportada para uma vasta produção escrita, e a sua longa experiência pastoral, particularmente dedicada à formação dos jovens, oferecem-lhe autoridade para nos propor novos caminhos à vivência e ao testemunho da fé cristã.
“Cristãos com fé” é um novo livro que agora nos coloca nas mãos, recorrendo a uma metodologia muito própria, ao jeito de um itinerário. Trata-se de um convite a seguir um percurso de reflexão e de vida, passo a passo, de etapa em etapa, momento a momento, com tempo demorado e sereno para ouvirmos a voz de Deus, entendermos os sinais dos tempos e percebermos as intuições profundas que na planície, nos átrios ou nas estradas da vida podemos encontrar e descobrir.
O autor sabe que a fé é dom de Deus, que se recebe pelo batismo, se alimenta pela palavra e pelos sacramentos, que tem na experiência viva da comunidade cristã, que é a Igreja, a sua expressão mais bela e que, em permanência, desafia o crente ao dom da própria vida, a exemplo de Jesus de quem é seguidor e discípulo.
Trata-se, por isso, de uma proposta pedagógica para abri portas a quem não crê e para ampliar horizontes de vida, de formação e de missão a quem já tem fé. E porque a fé a nada de quanto é humano pode ser insensível ou indiferente, compreende-se que «Cristãos com fé» aponte caminhos de exigência da verdade da profissão da fé da Igreja que nos alegramos de afirmar e de autenticidade na coerência da vida daqueles que testemunham a fé.
Mais do que argumentos de fé hoje o mundo procura testemunhos de fé. Na grandeza dos factos vividos e na verdade dos testemunhos conhecidos radicam hoje as novas escolas da fé onde diariamente se aprende e apreende a fé através da beleza e da verdade daqueles que a tornam viva e eficaz através das suas obras.
São as comunidades crentes e as pessoas em cujo rosto e coração se espelha a fé que são hoje as melhores portas da fé. Assim aconteceu com os discípulos de Jesus, no início dos tempos apostólicos. Assim se revelaram as primeiras comunidades cristãs, exemplares na autenticidade da fé, na beleza da vida fraterna e na assídua participação de todos os que acreditam em Jesus Cristo, vivo e ressuscitado. Assim se percebe hoje pela vida dos santos e sempre que de perto nos aproximamos dos que vivem de Deus e espalham à sua volta este doce fascínio da fé que dá sentido à vida e valor à missão.
«Cristãos com fé» não ilude nem recusa perguntas necessárias, não propõe respostas imediatas nem fáceis e a ninguém dispensa do esforço da caminhada e do trabalho da procura. «Cristãos com fé» reconduz-nos à Palavra de Deus, aponta-nos referências oportunas de ampla bibliografia, convida-nos a relermos a vida e a entendermos sinais e símbolos mesmo que nos pareçam mudos e sobretudo aponta-nos como meta o «Coração de Jesus». Compreendemos que o Coração de Jesus, de acordo com o Evangelho e com o carisma da espiritualidade dehoniana muito própria dos Sacerdotes do Sagrado Coração de Jesus, a cuja Congregação o autor pertence, seja o lugar obrigatório aonde conduz o crescimento na fé e na vida daqueles que sabem que só ali repousa e descansa quem deseja viver a fé em todas as suas dimensões e exigências.
Termina este livro com uma bela oração sobre a fé: a oração de Paulo VI, o mesmo Papa que nos ensinou um novo Credo, igualmente assente no Símbolo dos Apóstolos e na Profissão de Niceia e Constantinopla, agora feita Credo do Povo de Deus, um povo peregrino no tempo e testemunha da fé em todos os tempos.
Com os apóstolos e com os discípulos de todos os tempos continuamos a viver e a professar a mesma fé e com João XXIII, Paulo VI, João Paulo II, Bento XVI continuamos a sentir que o mundo precisa mais de testemunhas do que de mestres.
Queremos ser «Cristãos com fé» conscientes e decididos a proclamar e a viver o evangelho das bem-aventuranças para que a Igreja seja «porta da fé e da bem-aventurança» para todos quantos procuram Deus e para todos quantos tendo-o encontrado mais necessidade sentem de O procurar.
Aveiro, 15 de agosto de 2012, Solenidade da Assunção da Virgem Maria

 
António Francisco dos Santos

Bispo de Aveiro, Presidente da Comissão Episcopal da Educação Cristã e da Doutrina da Fé