sábado, 7 de abril de 2012


Cronica de Timor  5 de Abril de 2012

  
Caríssimas irmãs, amigos e familiares
Chegou a hora de regressar até vós depois da travessia dum árduo deserto, que muitos de  vós já o conhecem e nos acompanharam nas mais diversas formas de presença e que contribui grandemente para chegarmos ao termo desejado, para os nada sabem porque é impossível dizer a toda a gente, direi agora e partilharei esses momentos que fizeram deste tempo de quaresma o mais evangélico de todas as quaresmas da minha existência, e digo-vos que não exagero e porquê? Porque as muitas pessoas envolvidas nesta minha vivência fizeram toda a diferença e tornaram o caminho de deserto forte e com imenso sentido! Esta será também a minha forma simples de prestar homenagem a todas essas pessoas, uma homenagem de profunda gratidão, afinal Deus caminhou connosco e expressou de forma singular a essência e as razões pelas quais somos cristãos desde o nosso batismo. Para muitos de vós e eu sei disso muito bem, esta é uma comunicação não muito regular e muito  pouco utilizada no vosso dia-a-dia, desejo que façam esse esforço para que compreendam os motivos que me levam a escrever assim, e não da forma mais vulgar, como muitos estão habituados.
Este tempo que vivemos não tem aventuras interessantes, mas teve uma prova de fogo, como lhe gosto de chamar, porque o foi, uma verdadeira prova de fogo à nossa adaptação já feita a Timor, aliás as ultimas fotos que tirei aqui no nosso espaço em Memo foi ao fogo feito por adolescentes que decidiram queimar restos de ramos velhos que cobriam as ruinas dum espaço que futuramente será transformado e eu apenas por curiosidade fotografei, ironia da vida ou coincidências incompreensíveis, foram as ultimas fotografias que aqui tirei e que também partilho convosco.
 A irmã Olívia ficou gravemente doente e tudo foi muito rápido nem deu tempo para perceber a gravidade, o que foi melhor assim, como enfermeira sabia que o importante era perceber o que se passava e pedir ajudar rapidamente, sem medos ou receios mesmo que os tivesse a sentir, e assim foi, em 24horas de nada valeu os chás, o repouso, mesmo a medo lá fomos para Díli, a minha primeira viagem a conduzir, um choque de adrenalina ao longo de 4horas e meia, tão já vossa conhecida, desta vez com duas grandes diferenças, eu a conduzir e a Olívia doente, mas era necessário chegar rápido e pedir ajuda… A Mana Lina, a nossa Mana de Díli, veio ao nosso encontro, sempre pronta para tornar mais leve o que é difícil, é uma característica que lhe é inerente, uma mana de verdade! Acabámos por nos encontrar já não muito longe da zona de Díli, nem vos digo o alívio que senti quando ela apareceu pela minha frente, como me soube bem ver o sorriso aberto dela e dar-lhe aquele beijo, significava várias coisas: que estava perto, que estava já a salvo se algo piorasse e que já tinha ultrapassado todos os obstáculos mais emblemáticos da viagem de Maliana a Díli.
 E, no dia seguinte lá fomos tirar a prova dos nove, a análise para determinar o diagnóstico, e foi claro como a água do pacífico cujo fundo se vê claramente: Dengue, ou o “mr. Dengue online in the body”, O terrível dengue visitou a ir.Olívia juntamente com uma infeção urinária já bem avançada, enfim dados estes confirmados, há que tomar as medidas certas e a Mana Lina, dedicada e atentíssima, sem hesitar chamou a doutora para avaliar e determinar o que fazer, o olhar dela ao ver o resultado foi de assustada e preocupada apesar da sua intensa experiência nestas situações de doenças endémicas, internar rápido porque este tipo de dengue é mesmo mau, as consequências podiam as piores e graças a Deus tudo foi superado como a maioria de vós sabe. Mas a passagem por este ciclo no hospital, foi uma rotina profunda, desafiante, observar os cuidados dos profissionais, tentar compreender qual a sua própria filosofia nesses mesmos cuidados, mas acima de tudo, a tensão e o medo, a preocupação e a esperança foram fortalecidos e firmes porque um grupo de pessoas todos os dias, varias vezes ao dia em diferentes horários ali estavam connosco de forma gratuita. A mana Lina era a fortaleza persistente, consigo levava a Gina, uma menina delicada que sorri atentamente e transmite a paz, outras meninas do centro juvenil, a Bendita que ao longo dos 9 dias passou as noites com a Olívia para que eu descansasse, e os padres Martins e Felgueiras, lá passavam todos os dias para dar a comunhão umas vezes os dois outras cada um por si, e deixar uma palavra espiritual, que quereríamos nós mais? Mas tínhamos mais sim, a doutora Ceu, que conduziu todo o processo, era uma presença diária, alguém grandioso num corpo pequeno e jovem, mãe de 4filhos, não era funcionária do hospital apenas se dedicou e avaliou desde o inicio, respeitando o trabalho dos seus colegas clínicos, mas permanecendo atenta à condução do processo, duma ética exemplar, de uma simplicidade que nos deixava confundidas, em muitos gestos e expressões que não vou aqui descrever porque seria longa essa descrição, o que me encantava era a incrível capacidade de estar ali sem pressas, sem preocupações aparentes com os seus filhos que a aguardavam em casa a todo o momento, a mais pequenina com 11meses, e sempre com um sorriso tranquilizador, e eu pensava se esta medica depois de um dia intenso de trabalho ainda vem aqui por mera dedicação, sem obrigação, como poderei eu dizer que estou cansada ou estou desanimada com toda esta situação? Não posso! Por isso vamos vencer isto porque a força humana carregada de algo muito forte está aqui entre todos eles que estão comigo e com a Olívia e conseguimos! Vencemos! Certo é também que não esquecerei a presença das irmãs em Portugal e amigos que destacamos um em especial, o Padre Adérito Barbosa, Dehoniano, que logo que soube que a irmã Olívia estava doente, expressava a sua preocupação e solidariedade em diferentes formas de comunicação e oração até chegarmos à recuperação completa, a Superiora Geral, ir. Ana Paula diariamente nos acompanhou, era mesmo um bálsamo ouvi-la nesta longa distância, entre outras irmãs, fomos umas privilegiadas, apesar de alguns momentos de desespero, devo confessar, medo do pior que nem me atrevo a descrever, guardarei para mim, mas estou pronta para receber o Ressuscitado, porque O encontrámos entre nós, no meio de tantos minutos, horas e segundos de variadíssimas emoções, sentimentos e silêncios, não estamos prontas para outra, esta valeu por toda a vida, apesar de sabermos que tudo se pode repetir porque estamos numa realidade de eminente possibilidade de o dengue nos chegar, mas confiamos que não, vamos proteger-nos e tudo correrá bem, se Deus quiser.
Também estas duas semanas foram marcadas por dois trágicos acontecimentos, o primeiro foi a notícia de que um militar da nossa GNR em Díli, tinha falecido por um complicação pulmonar e também com o dengue, o que nos consternou imenso, e também toda o plantel da GNR em Díli, um jovem de 26anos aqui em Timor há 4meses, e terminou o seu ciclo vital desta forma, difícil, doloroso, incompreensível, lá vem a pergunta, porquê? O padre Felgueiras foi ao quartel celebrar as duas missas, a primeira logo no dia imediato à sua morte, e que segundo a Mana Lina que levou as meninas do Centro Juvenil, o ambiente entre os militares era de lagrimas silenciosas, e a segunda em que eu e a Olívia já fomos era também um doloroso pesar pelo jovem que apenas a sua fotografia diante do altar, o tornava presente. O padre Felgueiras com os seus frescos 90 anos, fez um discurso muitíssimo humano e espiritual, nunca esquecerei esta Eucaristia por isso. Custou-me estar ali naquele silencio entre os militares, o Presidente da Republica de Timor e o Embaixador de Portugal, mas no entanto trouxe comigo uma certeza eterna e única na palavra daquele missionário, a vida é uma continuidade para além da própria vida, ele disse mais, referindo-se a um pensamento do Padre António Vieira: “os portugueses nascem na Pátria e morrem no mundo”, como grandes aventureiros ao serviço da humanidade, honram assim um império que agora é inexistente mas de um povo a heroico e de grandes feitos!
O segundo acontecimento, foi sem dúvida a noticia do súbito falecimento do Frei Carlos furtado O.P, um apóstolo dominicano, zeloso, feliz, alegre, encantador na sua comunicação, um sacerdote exemplar e cativante que marcou e tocou todos os que tiveram o privilégio de ter contacto com ele, como eu e alguns de vós tiveram, acredito que a sua falta é enormíssima na Igreja e na Ordem Dominicana, afinal era jovem e incomparável nas suas imensas actividades pastorais, mas creio, porque o sinto, que continuará a ser presença viva entre nós que o guardamos no coração e agora brilha eternamente em Deus, até eu o consigo imaginar junto de Deus!
Respiremos de alívio depois da prova de fogo superada e nada como subir a montanha da cidade de Díli e ir até ao Remexio e visitar as Dominicanas de Santa Catarina de Sena e conhecer a sua obra e intervenção em tão belíssimo lugar! Que lugar aquele de tanta beleza que arrepiava olhar aquelas encostas sobre a cidade de Díli: “é um belo horrível”, dizia a irmã Olívia naquela viagem que a Mana Lina nos presenteou. Fomos acolhidas pelas irmãs dominicanas com muita simpatia e agrado, nada podia ser mais agradável, uma casa linda, num lugar belíssimo, com pessoas extraordinariamente naturais, portuguesas e que nos serviram um saboroso café, uma compota de goiaba deliciosa, feito por elas e um pãozinho de comer e chorar por mais, foi uma manhã de quinta-feira com alguma emoção depois de tantos dias em deserto, o primeiro daqueles dias. As fotos em anexos testemunham esses momentos e as instalações que serviram de inspiração futura para nós.
No dia seguinte continuámos a nossa recuperação lentamente, e descemos até à praia e baía de Díli, um pouco mais descontraídas e decidimos ir molhar os pés à praia, águas cálidas e um sol escondido apesar de quentinho. Eu e a Mana decidimos depois de nos molharmos subir até ao Cristo Rei, mais de 500degraus até aquela “estranha” Estátua do Senhor Jesus, estranha porque o semblante é assustador, e carrega a tortura enganadora dos Indonésios que o lá colocaram para iludir os timorenses aquando da sua Invasão/perseguição e tomada de território, terrível eu sei, mas esta é a verdade, claro é Cristo, mas as motivações são as mais repugnantes!
Ao descer, fomos extasiadas com o pôr-do-sol, escuro e escondido entre as nuvens cinzentas daquele entardecer, mas a paz que sentíamos embora com o ainda muito cansaço, superou tudo e regressámos mais confiantes e de espirito feliz.
Desculpem todo este discurso longo e denso, mas esta é também uma parte integrante da nossa história em Timor Leste. Como sabem partilhar convosco é sempre um momento muito sagrado para mim, levar-vos a viver e reviver comigo a experiência da missão, é torná-la possível e abençoada por Deus.
Já estamos em Maliana e preparamo-nos para o tempo Pascal e um outro acontecimento especialmente para nós e que marcará a história da nossa presença em Timor, mas será conhecido depois da Pascoa.
Envio um grande abraço, agradecemos de todo o coração a vossa presença nestes tempos mais difíceis, permitam-me que o faça especialmente às irmãs de Congregação que têm expressado de forma profundamente fraterna a sua unidade e preocupação e em enviar tantos miminhos para nós, desde amêndoas, bacalhau, umas belas conservas de variadíssimas delicias, aqui é tudo muitíssimo caro, e como o correio daí para ca é muito económico, temos sorte, muito obrigada a todas.
Até breve.
Saudades e deem sempre noticias.
Ir Cristina Macrino

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