quarta-feira, 14 de março de 2012

De Timor

Crónica de Memo
15 de Março de 2012

Desejo que estejam bem e que em Portugal esse sentimento de crise vá pouco a pouco esvanecendo-se, porque creio e sei que não é muito mais que um sentimento plural, social cultivado por todos nós e não só pela política nacional e internacional. Isto pode parecer-vos uma inconsciência minha, mas garanto-vos que não é.
 Estamos sem luz eléctrica há dois dias e como tal torna-se uma maratona escrever-vos só com a bateria do computador, mas espero conseguir.
Esta minha missiva, tem um objectivo diferente das outras, não vou contar-vos peripécias, ou episódios de risco, é uma simples reflexão que não posso calar! Há dias a Superiora Geral enviou-nos um testemunho sobre o sentido de felicidade, perspectivado por diferentes pessoas de diferentes estados de vida, muito belo e interessante: valorizamos não o ter mas o ser em relação aos outros e a Deus, parece até simples, mas todos sabemos que não é, porque carregamos a montanha do consumismo, a montanha do parecer, a montanha do  poder e assim viemos em permanente competição uns com os outros, gastamos imensa energia e até conseguimos conquistar inimigos, não é assim?
Em Díli, como sabem ficamos hospedadas no Centro Juvenil Padre António Vieira, há sorrisos por todos os cantos daquele Centro, da Mana Lina, das outras manas que lá trabalham, das crianças que por lá passam, das jovens, tendo o essencial, dão tudo o que possuem em si mesmos, simplicidade, serenidade, fé. Tendo em conta também que carregam na sua experiência e vivência pessoal, dor, guerra e o massacre que a maioria viveu naqueles fatídicos anos de invasão e que a maioria de nós, não só em Portugal mas provavelmente na maioria do mundo em geral, tem uma ideia global. Muitas destas pessoas só ficaram com a roupa que tinham no corpo, mais nada e com eles os missionários que arriscavam a própria vida para os ajudar e dar ânimo, muito duro isto, e esperavam ao menos que não lhe tirassem a vida, um verdadeiro êxodo até a terra prometida, quando se tornaram independentes. Quando olho para elas, até me arrepio toda por dentro e tenho a certeza que muitos de vós sentiriam o mesmo.

A Madalena é uma jovem especial deste Centro Juvenil e quero falar-vos dela. A sua história de 21anos é uma história difícil e inimaginável para nós, digo isto porque a nossa insaciedade permanente, e falo por mim, faz-nos andar deprimidos por causa daquilo que não temos, ora a Madalena não tem família, não tem casa, não tem bens e não tem membros superiores e inferiores, as fotos e o filme que envio em anexo, é bem expressivo. Quando a vi caminhar sobre os seus próprios joelhos que são o seu meio de deslocação fiquei sem palavras, olhou-me e com um sorriso natural de quem se dá conhecer cumprimentou: “bom dia irmã”! todos os dias pelas 18horas, a madalena reza com as crianças do centro e orienta a oração que é sempre rezada em português. O filme que a Mana Lina fez dela a alimentar-se, é um expressivo documento de como esta menina é uma lutadora, uma menina de ouro, um Cristo entre nós, um louvor ao criador naquele corpo pequeno e tão limitado. Não podia ficar indiferente a este despojamento humano tão profundo.
Temos constado que as famílias vivem com menos de 1dolar por dia, sem frigorifico, sem carros próprios, os táxis são motorizadas e as deslocações quer chuva ou faça sol são feitas a pé ao longo de quilómetros. Quando vamos a Maliana o nosso jipe vem à pinha com estudantes, que vêm da escola  e aproveitam esta preciosa boleira na carroçaria, quando saem do jipe agradecem com veneração este bem recebido. E falamos nós de crise e de dificuldades em Portugal? Teremos de rever as nossas prioridades e perceber afinal como amamos a vida e somos felizes nela, até nós, mesmo estando aqui sem grandes acessos, muitos dias sem comunicações básicas, temos mais muito mais do que eles.
Continuem felizes, porque a felicidade que se defende é muitas vezes uma felicidade infeliz.
E tive sorte, a bateria ainda não abaixo.
Um abraço e até breve. Boa viagem até à Pascoa.
Timor. Ir Cristina Macrino

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