Homilia na Festa do P. Dehon
Alfragide, 14 de Março de 2012

( No dia em que completa os seus 59 anos)
1.O dia 14 de Março, dia do aniversário do nascimento do nosso fundador é um momento de festa e um dos momentos mais marcantes não só para os religiosos dehonianos, mas também para toda a família dehoniana, constituída pelas outras componentes de consagradas ou mesmo leigas e leigos. O dia da sua morte a 12 de Agosto e a festa do Coração de Jesus completam, a meu modo de ver, a tríade marcante para qualquer ser humano que beba esta espiritualidade.
2.Quando me dirigia a La Capelle para acompanhar os religiosos na preparação aos votos perpétuos fiquei chocado como as sepulturas dos nossos primeiros religiosos eram tratadas no cemitério, para não dizer abandonadas, assim como o quarto do fundador. Parece-me que esta sensibilidade pelas datas e pelos lugares, símbolos tipicamente dehonianos, estão a ser substituídos por reuniões e workshops típicas de uma sociedade despida de símbolos e de espiritualidade, sejam estas reuniões da congregação ou não.
3.Escreve José Saramago que a humanidade tem que começar com uma relação mais humana, mais limpa e com mais conhecimento do outro. Sem isto, digo eu, o cristianismo é verniz. Continua o escritor comunista a dizer que as três doenças da actual civilização são a progressiva incomunicação, uma revolução tecnológica que não temos tempo para assimilar, nem sabemos a onde nos leva (anda tudo desnorteado atrás da telemática) e uma concepção da vida que nos leva unicamente para o triunfo pessoal e individual.
Talvez estes pensamentos de Saramango possam ser úteis para termos e tomarmos consciência que terra pisamos, que carros conduzimos, que projectos gerimos, que província queremos efectivamente em Portugal.
4.Palavras chave da espiritualidade dehoniana. Escreve o autor americano Ken Wilber que a nossa vida é marcada pela dependência, pela independência e pela interdependência. É nesta última dimensão que situamos os grandes princípios da nossa espiritualidade.
Espiritualidade. Antes de mais, a espiritualidade é experiência de vida, um encontro com Deus, reforçado com retiros, meditações, adoração, palavra de Deus, sacramentos, adornada com fórmulas, orações e estruturas como a Igreja, regras…Se houver palavras sem coração, sem factos, sem acções, sem compromissos, não há verdadeira, não há nenhuma espiritualidade. O primeiro e grande elemento para uma relação com Deus, sem o qual nada interessa, nada tem valor, é mesmo a espiritualidade, que não é só o culto dirigido a Deus. A espiritualidade é então a experiência do dom de Deus, da sua graça, acolhida em nós que a manifestamos pelo culto. A espiritualidade é todo este processo de Deus para nós e de nós para Deus. É que a liturgia só é verdadeira se é a experiência do encontro entre a graça de Deus que desce sobre nós e o culto que prestamos a Deus. Se não for assim, estamos a lançar palavras ao vento.
Amor. Entendemos o amor como a capacidade de ver a necessidade do outro, solidarizar-se com ele, sofrer com ele, mas também fazer algo para que essa necessidade seja ultrapassada. Não é por acaso que a palavra respeito, em latim respicere significa olhar para. E certeza, que não andamos com um espelho atrás de nós. No amor, conseguimos ler também este movimento da saída do egoísmo, da saída do meu mundo, da minha terra, libertar-me das minhas amarras, para estar completamente disponível para os outros. Há que proporcionar a comunhão com Deus e com os irmãos.
Oblação. Já a oblação é um gesto concreto desse amor no sentido de dar, no sentido de dar-se incondicionalmente e totalmente a Deus. Mas não nos podemos entregar totalmente a Deus, ouvindo os gritos desesperados da humanidade, continuando o nosso caminho, concentrados apenas nas nossas coisas pessoais, às vezes nas nossas questiúnculas: porque não fechaste a porta? Já disse que sempre que passas deves fechar a porta. Há que parar e aliviar este ser humano para que pare de gritar pelo seu sofrimento. Esta oblação é dar-se por Deus aos irmãos. É levar Deus aos irmãos. É levar os irmãos a Deus. É elevar a vida dos irmãos até Deus, oferecendo-nos ao Pai como oblação viva, santa e agradável (Rm 12,1). O Ecce Venio (eis que venho ó Deus para fazer a vossa vontade) e o Ecce Ancilla (eis a serva do Senhor. Faça-se em mim segundo a vossa palavra) são o grande modelo para a comunhão da nossa vontade com a vontade de Deus. A nossa vida é um dom integral, de toda a pessoa, de todas as partes, não só da razão, mas também do coração. Mais. Esta disponibilidade de Jesus e de Maria marcam o estilo do dehoniano religioso ou leigo que vai buscar a graça (kairós) de Deus por excelência na eucaristia para combater o tempo (chronos) cronometrado que robotiza, mecaniza o ser humano. Sabem melhor do que eu que o deus Chronos devorava os seus próprios filhos.
Carisma. A espiritualidade tão cara ao P. Dehon é a contemplação do coração trespassado, donde brotam sentimentos como o dom total de si, a gratuitidade, a misericórdia, a paciência, o perdão, a ternura sobretudo pelos mais necessitados. Portanto, o coração trespassado de Cristo é o sinal do amor, do dom de si, recria o homem e a mulher à imagem de Deus.
5. E termino com uma pequena história. Um carpinteiro manifestou ao patrão que queria reformar-se. O patrão pediu-lhe para lhe construir só mais uma casa. Contra a sua vontade, fez a vontade ao patrão. Construiu a casa com materiais mais fracos, para despachar. Quando acabou a casa, o patrão fez a supervisão e ofereceu-lhe essa casa por ser a última construída por ele. Se soubesse que estava a construir a sua própria casa, de certeza que seria diferente e que seria melhor. Cada um é carpinteiro da sua própria vida. A vida é um projecto que construímos com amor e cuidado, com o melhor material, com muito calor humano. Mais do que a altura, o comprimento e a largura, a vida e a espiritualidade estão marcadas pela profundidade.
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